Comunicação
Redes Antissociais
Por Jakson F. de Alencar*
O surgimento da
internet e sua propagação há até alguns anos despertaram sonhos e
esperanças diversos: acabariam as fronteiras e divisões; governos
autoritários seriam extintos; haveria uma magnífica construção coletiva
do conhecimento em que todos participariam; seriam formadas autoestradas
da informação, a sociedade da informação e um novo ser humano. Com o
advento das chamadas “redes sociais”, o encantamento, que em grande
parte continua, tem sido o mesmo. Supunha-se que criariam vínculos entre
diferentes de maneira ilimitada, dentre outras expectativas.
Em parte, essas possibilidades se concretizaram. Inclusive, no Brasil, o pouco de vozes diferentes e independentes da grande mídia de direita, que ao longo da história tem encampado os pontos de vista e interesses dos 5% mais ricos da sociedade, tem tido espaço graças à internet. Mas as sociedades e estudiosos estão atônitos de como as redes digitais tem ido em sentido contrário a tantas das expectativas imaginadas.
A tão festejada primavera árabe
tornou-se inverno árabe, colocando governos autoritários no poder. E em
todos os lugares discursos de ódio, notícias falsas, agressividade,
autoritarismo, preconceitos, racismo, machismo, acirramento de divisões
de classes sociais encontraram terreno fértil nas redes digitais.
Pessoas se agruparam por meio delas com essas afinidades, outros
despertaram ou fortaleceram tendências que tinham latentes e outros são
intoxicados ao frequentar e usar tais redes.
As expressões de agressividade não se
dão em torno de grandes temas e questões políticas ou ideológicas. Mas é
comum que temas os mais diversos e até assuntos banais se tornem motivo
para comentários maldosos, grosseiros e agressivos. Há uma espécie de
pulsão ou prazer por fazer polêmica em tais ambientes. As reações na
rede costumam ser impulsivas, rápidas e desregradas. O teclado está à
mão e o monitor ligado. Seu discurso não é dialógico, mas, muito mais
monológico. Na sua frente não há olhos a serem encarados sob aprovação
ou censura, mas só uma tela. Um ambiente que tem favorecido a projeção
do que há de pior nas mentes e sentimentos das pessoas.
Temas falsos são propalados ou
fortalecidos rapidamente com muitos comentários, “curtidas” ou
compartilhamentos. As ondas de comoção virtuais em grande escala com
assuntos falsos no todo ou em parte, verdadeiros tsunamis virtuais,
ganharam até nome sugestivo na literatura especializada: “shitstorms” ou
tempestades de merda (no mundo político, quem primeiro usou essa
expressão foi Angela Merkel). Outro aspecto curioso é que, ao invés das
infinitas interações com as diferenças, as pessoas estabelecem suas
rotas costumeiras e bem conhecidas nas redes, fazem seus guetos,
segmentações e levam para a rede as divisões, estereótipos e
preconceitos que têm no mundo físico.
Imaginou-se que a internet e as redes digitais seriam uma apoteose da comunicação e se constata que a comunicação como interação e criação de entendimento está muito frágil. Segundo Dominique Wolton, em É preciso salvar a Comunicação (Paulus, 2006), essa frustação ocorre porque não basta apenas técnica e tecnologia para se comunicar, são necessários os valores humanísticos e democráticos, a capacidade de aceitação, respeito e troca com o diferente.
Essas constatações não simplesmente
podem ser vistas como fator de pessimismo, mas alertam para que a
humanidade não se esqueça que as técnicas, sem formação e orientação
ética, sem humanismo e sem organização social, não fazem por si um mundo
melhor e mais justo, nem muito menos o paraíso tecnológico e
comunicacional.